A dermatite por lambedura acral é caracterizada por lambedura insistente que resulta em ulceração e formação de placas. A doença é provocada por patologias primárias, incluindo de origem psicogénica, e poderá ser complicada por infeções secundárias. Quando o problema é comportamental, o comportamento tem que ser tratado por modificação ou por via de medicação.
O que é a lambedura acral em cães e gatos?
A dermatite por lambedura acral também é conhecida como granuloma por lambedura acral ou nódulo acral pruritico. É uma doença dermatológica comum em cães, mas também noutras espécies.
A lambedura insistente reduz a qualidade de vida do animal e dos seus cuidadores. Esta patologia está associada a problemas comportamentais. No entanto, parece que existe um fator primário, como uma alergia, que a despoleta. Ainda é a causa de infeções secundárias. Compreender o seu carácter multifatorial é essencial para o tratamento.
Quais são os sintomas da dermatite por lambedura acral?
A lambedura acral pode afetar animais de qualquer idade. Em média, os cães apresentaram esta patologia aos 4 anos. Raças mais afetadas incluem o Dobermann, Grand Danois, Labrador, Golden, Pastor Alemão e Boxer.
As lesões da lambedura acral são têm bordos bem limitados, elevadas, sem pelo, com úlceras ou placas. As lesões aparecem sobretudo na parte de cima das patas, mas podem aparecer noutros locais.
Como se desenvolve a dermatite por lambedura acral?
A dermatite por lambedura acral é multifactorial. A lambedura frequente da área afetada resulta em lesões com eritema, crostas, erosão e falta de pelo. A lesão progride e aprofunda-se, havendo afeção da derma (camada profunda da pele) e dos nervos sensitivos. Esta causa um ciclo progressivo de prurido e lambedura.
A lambedura e infeções secundárias originam foliculite e furunculose. A presença desta e doutras lesões originam reações de corpo estranho que perpetuam o ciclo de prurido e lambedura.
Na lambedura acral, considera-se que existem fatores primários e fatores perpetuantes. A lambedura contínua é um fator perpetuante da lesão. O fator primário é transiente, como uma alergia.
Os fatores primários incluem patologias alérgicas (atopia, alergia à picada da pulga), infeções bacterianas ou fúngicas, infestações parasitárias, trauma, corpos estranhos, patologias articulares, neoplasia, neuropatia e patologias homonais.
Os fatores primários de ordem psicogénica incluem transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), ansiedade, aborrecimento, procura de atenção e stress. Os fatores perpetuantes incluem infeções secundárias, corpos estranhos, e o lamber compulsivo aprendido (secundário).
Como se faz o diagnóstico da lambedura acral em cães e gatos?
A história do desenvolvimento da patologia é essencial para compreender o fator primário que a iniciou. A observação dermatológica poderá revelar outras áreas afetadas, que poderá indicar uma patologia alérgica. O exame ortopédico pode revelar patologias articulares, que poderá ser complementado por radiografia.
Casos com possíveis anormalidades neurológicas ou traumas podem necessitar de exame neurológico, incluindo eletromiografia. Exames laboratoriais poderão ser usados na identificação de problemas hormonais.
Exames complementares, como raspagens de pele ou colheita de pelos, poderão ser utilizados para identificar a presença de parasitas ou fungos. Citologias poderão ajudar a identificar infeções secundárias e a monitorizar a evolução do tratamento.
Para culturas bacterianas e antibiograma (identificação do antibiótico indicado para a estirpe), deverão fazer-se colheitas profundas através de biopsia. Citologia e biopsias também são ferramentas de diagnóstico para cancro.
Nos cães, os transtornos obsessivos caracterizam-se por comportamentos repetitivos que não são facilmente interrompidos ou impedidos por um estímulo normal. A história é essencial no diagnóstico da lambedura acral por transtorno obsessivo.
Estima-se que cerca de 70% das lambeduras acrais em cães sejam provocadas por ansiedade. Logo, na falta de sinais de alergia ou patologia ortopédica suspeita-se de patologia psicogénica. Fatores causadores em cães incluem viver fechado em casa, sem passeios e sem brincadeiras.
Como poderá ajudar ao diagnóstico do fator primário da lambedura acral? Os seguintes detalhes serão uma importante ajuda ao diagnóstico veterinário:
- Alergias: pruridos noutros locais (morder, coçar), infeções de pele ou otites passadas, problemas gastrointestinais (alergias alimentares), acorre sazonalmente (atopias);
- Ortopédico ou neurológico: trauma na pata afetada, sinais de dor (mancar);
- Comportamental: outros sinais comportamentais (ex. ansiedade de separação), alterações recentes no ambiente (ex. mudança de casa), falecimento de um membro da família, período de exercício e socialização, tempo deixado sozinho, relações com outros animais na casa, tipo de brinquedos usados.
Tratamento da dermatite por lambedura acral
O tratamento da lambedura acral baseia-se no controlo de três fatores: o fator primário, a infeção secundária da pele, e a interrupção do ciclo de prurido e lambedura. Apenas através do tratamento destes fatores é possível a melhoria. É importante ressalvar que o tratamento é demorado e poderá ser necessário experimentar diferentes terapêuticas.
Tratamento da causa primária
Alergias
Na maioria dos casos, a alergia é a causa primária que despoleta a lambedura acral. O diagnóstico de alergia alimentar deverá ser feito através de dietas de eliminação, com ingredientes a que o cão nunca foi exposto aos quais não poderá ser alérgico. Depois da correção da lambedura acral, a alergia deverá ser confirmada expondo o animal a ingredientes comuns.
Em casos crónicos, a resolução é prolongada devido à presença de infeções secundárias e ao ciclo de prurido e lambedura. Se não se tratar de alergia alimentar, poderá tratar-se de uma alergia a algo no ambiente. Pode fazer-se testes para alergénios.
Nas alergias alimentares, o tratamento passa por fazer uma dieta restrita onde se elimina o ingrediente alergénio, chamadas dietas hipoalergénicas. Na alergia ambiental (atopia), tenta evitar-se o contacto com o alergénio, o que poderá ser compensado com terapia medicamentosa. No entanto, esta terapia envolve controlar o sistema imunitário, o que requer que as infeções secundárias já estejam controladas.
Patologias ortopédicas
No caso de patologias ortopédicas, deverá reduzir-se a dor e fazer as correções necessárias. Estas poderão envolver o tratamento de traumas, como também cirurgias e tratamento farmacológicos para problemas articulares.
Patologia comportamental ou psicogénica
Se o comportamento foi identificado como fator primário, ou até secundário, deverá fazer-se modificação de comportamento ou terapia psicofarmacológica.
É necessário fazer-se alteração do ambiente, com enriquecimento ambiental, exercício, interação social, ausência de castigos. Castigos durante a lambedura podem reforçar este comportamento quando se deve à procura por atenção. Em alternativa, o cuidador poderá ignorar o comportamento e até sair do local. A modificação do comportamento deverá ser acompanhada por um médico veterinário especializado em comportamento.
A terapia psicofarmacológica poderá ser necessário, mas geralmente temporária. Este poderá envolver o uso de inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ex. fluoxetina) ou inibidores da recaptação da serotonina e epinefrina (antidepressivos tricíclicos; ex. clomipramina). O primeiro grupo é preferido devido à sua seletividade e menor efeitos adversos.
Tratamento da infeção secundária
A maioria das lambeduras acrais sofrem de infeção secundária. Logo, é necessária administração de antibióticos sistémicos (oral ou injetável). O tratamento poderá será prolongado, ultrapassando os dois meses.
Se o tratamento antibiótico foi iniciado sem antibiograma e não foi bem sucedido, deverá então agora realizar-se esse teste para a escolha da sua alternativa.
Quebrar o ciclo de prurido e lambedura
Evitar o acesso ao local da lambedura acral é essencial. O problema irá manter-se se for permitido que a lambedura persista. Logo, utilizam-se métodos físicos para evitar este comportamento. Alguns sprays tópicos de sabor desagradável podem evitar a lambedura, como spray de maçã azeda.
Os colares isabelinos (cones) são utilizados, mas incomodativos para os cuidadores e poderão não ser efetivos. Em alternativa, colares que restringem os movimentos do pescoço (colares BiteNot) permitem a vida normal, mas previnem o acesso às lesões.
Meias e botas podem ser barreiras eficazes para alguns cães, enquanto outros conseguem removê-las. A seleção do meio físico de evitar a lambedura poderá requerer tentativa e error. Após cicatrização da lesão, este meio poderá ser removidos por curtos períodos para observar se não há lambedura.
Esteroides orais ou tópicos são uteis na redução da inflamação e prurido. Produtos que combinem esteroides e antibióticos também poderão ser vantajosos no controlo da infeção secundária.
Quando a lambedura acral persiste…
Quando a lambedura acral persiste mesmo com os tratamentos adequados, poderão considerar-se outros tratamentos. A cirurgia não é recomendada devido à sua dificuldade e possíveis complicações. O local da lesão é normalmente extenso e com a pele em tensão, o que complica o fecho da área cirúrgica. A cirurgia ainda poderá estimular a lamebedura, logo só sendo utilizada em lesões pequenas.
Ablação por laser da lambedura acral poderá ser considerada assim que os fatores primários e infeções estão controladas e a lesão persiste. A ablação por laser permite remover lesões profundas e selar os nervos (causa de prurido).
A criocirurgia (ou crioterapia) poderá ser uma alternativa e apenas necessita de sedação leve e anestesia local. Esta só poderá ser aplicada a lesões de certos tamanhos e profundidades. Em lesões mais profundas, poderá ser necessário repetição após cicatrização da primeira intervenção.
A terapia por radiação (irradiação por raio X) permite destruir as terminações nervosas e interromper o ciclo de prurido e lambedura. Os primeiros tratamentos por raio X na lambedura acral parecem ter sucesso, no entanto este conhecimento necessita de ser aprofundado.
A acupuntura onde agulhas são inseridas em locais específicos poderá ser utilizada no controlo do prurido. Pensa-se que a acupuntura estimule as fibras nervosas que inibem a atividade das fibras nervosas que transmitem sinais de dor e prurido. Na lambedura acral, as agulhas nunca deverão ser colocadas diretamente na lesão, mas sim na sua envolvência.
Referência:
Shumaker 2019
Muito obrigada pelas explicações, me alertou muito.