Sarcoma de aplicação felino: risco da vacinação?

O sarcoma de aplicação felino foi descrito pela primeira vez em 1991, em gatos nos Estado Unidos que receberam uma vacina para a raiva. Desde esse momento que foi investigado com cuidado chegando-se a algumas conclusões. Mas será que devido ao risco desta neoplasia maligna deveremos deixar de vacinar os nossos gatos?

O que é o sarcoma de aplicação felino?

O sarcoma de aplicação felino é uma neoplasia resultante da reação anormal do tecido felino à inflamação crónica. Uma vez que as vacinas estimulam a inflamação para se obter imunidade, poderão causar o aparecimento do sarcoma de aplicação felino. Este sarcoma tem um longo período de latência (3 meses a 10 anos), um rápido crescimento, invasão dos tecidos próximos e frequência elevada de recorrência após tratamento.

Para além da vacinação, o sarcoma de aplicação felino já foi diagnosticado associado a injeção de medicação, suturas não-absorvíveis e microchips. Desta forma, determinou-se que a designação de sarcoma de aplicação seria mais correta do que sarcoma de vacinação.

O sarcoma de aplicação felino não depende só a administração de substâncias. Este sarcoma tem uma etiologia multifatorial que envolve a genética do próprio animal. Logo, nem todos os gatos estarão predispostos a desenvolver um sarcoma após inflamação crónica.

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Outras formas de sarcoma desenvolvem-se principalmente em animais idosos, enquanto o sarcoma de aplicação em gatos se desenvolve em gatos mais jovens, em média com 8 anos. Os tumores são localmente invasivos, estendendo-se a tecidos próximos, mas com baixa taxa de metástase.

 

Qual é a incidência do sarcoma de aplicação felino?

O sarcoma de aplicação em felinos tem uma incidência muito baixa, de 0.63 a 13 gatos em cada 10 000 gatos. Esta incidência ainda será inferior se utilizar uma vacina viva modificada, sem adjuvantes ou de apenas um agente. O sarcoma desenvolve-se dentro de 3 meses a 10 anos após a administração.

 

 

Sinais do sarcoma de aplicação felino

O sarcoma de aplicação felino tem uma elevada taxa de crescimento, sendo grandes, móveis ou aderentes ao tecido. A massa normalmente não é dolorosa e pode ser solida ou um quisto. O quisto desenvolve-se devido ao rápido crescimento da massa e morte por necrose da sua parte central por falta de nutrição. Assim, o centro do quisto é preenchido por um tecido viscoso acastanhado.

O primeiro sinal detetado pelos donos é o aparecimento de uma massa no local de vacinação, que nos gatos é preferencialmente entre os ombros. Devido à localização profunda dessa área, a massa só é detetada pelo dono quando já tem um tamanho considerável. O sarcoma de aplicação felino não deverá ser confundido com uma pequena massa de inflamação que aparece em alguns gatos nas primeiras semanas após a vacinação e que não sofre crescimento rápido (pelo contrário, diminui em tamanho com o tempo).

 

Diagnóstico do sarcoma de aplicação felino

A diagnóstico requer uma amostra das células da massa para caracterização histológica. A citologia por aspiração de agulha fina é fácil de realizar, mas apenas permite diagnóstico em 50% dos casos devido à presença de líquido do quisto. O diagnóstico definitivo deverá ser por biopsia de incisão, tendo cuidado no local em que é realizada.

A biopsia deve ser realizada em massas com mais de três meses, com mais de 2 cm de diâmetro ou em crescimento um mês após injeção. No entanto, muitos profissionais preferem realizar a biopsia em qualquer massa suspeita.

O diagnóstico da sarcoma de aplicação felino normalmente revela um estadio mais avançado que os restantes sarcomas, com 20 a 50% dos animais em grau intermedio e até 70% em avançado. Testes como a análise ao sangue (hematologia, bioquímica), teste do FIV e FeLV e urianálise são recomendados principalmente em animais mais velhos que irão ser sujeitos a anestesia e quimioterapia.

A ocorrência de metástases é rara, afetando entre 0 a 25% gatos e tendo maior incidência em estadios mais avançados. A presença de metástases reduz a sobrevivência, piorando o prognóstico. Os pulmões são o local mais comum de metástase, mas também poderá ocorrer nos linfonodos regionais, fígado e outros tecidos. Para determinação da presença de metástases, recomenda-se radiografias torácicas e ecografia abdominal.

Por vezes, poderá fazer-se radiografia com contraste para avaliar melhor a extensão do tumor antes da cirurgia. Ainda é mais favorável a utilização de tomografias ou ressonância magnética se disponíveis na clínica e se dentro do orçamento do dono.

gato sentado

Tratamento do sarcoma de aplicação felino

O principal tratamento do sarcoma de aplicação felino é a cirurgia. Como o sarcoma de aplicação em gatos não é encapsulado e pode se estender aos tecidos adjacentes, deverá ser bem avaliado por métodos de diagnóstico antes da cirurgia. Apesar da cirurgia ser a principal forma de tratamento, pensa-se que a sua combinação com quimioterapia e radioterapia terá melhores resultados.

Cirurgia

A recorrência local do sarcoma de aplicação felino é elevada, sendo que até 22% após rescisão completa ou 69% após rescisão incompleta pode re-aparecer reduzindo a sobrevivência. Por este motivo, a rescisão completa do tumor é essencial.

A rescisão com uma larga margem (3 a 5 cm) e profunda (1 a 2 planos fasciais) à volta do tumor visível é recomendada na primeira excisão do tumor. Cirurgiões veterinários experientes também conseguem melhor rescisão de tumores.

Devido à necessidade de rescisão completa, poderá ser necessário remover osso, como parte das vertebras, costelas ou membros. Se o sarcoma de aplicação envover um membro, este deverá ser amputado.

A principal complicação é a deiscência (abertura espontânea) da ferida após a cirurgia. Por isso recomenda-se o repouso pós-operatório por 2 a 4 semanas, dependendo do tamanho da incisão.

Quimioterapia

A quimioterapia pode ser utilizada antes da cirurgia para diminuir o tamanho do tumor e também após a cirurgia para garantir a eliminação das células neoplásicas. A eficácia da quimioterapia no sarcoma ainda é discutida. No entanto parece ter utilizada em tumores de elevado grau, metástases ou quando a lesão se mantem mesmo após cirurgia.

O tratamento apenas por quimioterapia não é recomendado pois não consegue manter a diminuição do tumor a longo prazo. Após uma redução inicial de mais de 50% do volume do tumor por tratamento com o medicamento doxorrubicina, o tumor continuou a progredir demonstrado que a resposta não se aplica a longo-prazo.

Radioterapia

A radioterapia com radiação ionizante permite eliminar as células neoplásicas com elevadas taxas de divisão. Ainda é controverso se a radioterapia deve ser utilizada antes ou depois da cirurgia.

Antes da cirurgia permite ter o maior efeito nas células neoplásicas, reduzir o tamanho do tumor (especialmente em casos inoperáveis devido ao tamanho do sarcoma), e matar as células tumorais envolventes à massa que terão menos probabilidade de contaminar outros tecidos durante a cirurgia.

No pós-operatório permite manter a ferida livre de células neoplásicas. Mas em ambos os casos aumenta o risco de deiscência. Se ocorrer deiscência, a radioterapia deve ser adiada. No entanto, a radioterapia deve ser iniciada antes dos 10 a 14 dias após a operação para ter maior efeito.

Imunoterapia

A administração local de interleucina IL-2 parece aumentar a sobrevivência e reduzir o risco de recorrência comparado com apenas o tratamento por cirurgia.

Prognóstico do sarcoma de aplicação felino

O tempo de sobrevivência é maior em tumores com menos de 2 cm, com excisão completa e sem recorrência ou metástase.

O prognóstico é mais reservado se a primeira cirurgia a margem for pequena ou se forem necessárias várias cirurgias, com uma sobrevivência de pouco mais de um ano. A excisão com largas margens permite maior tempo de sobrevivência chegando aos 3 anos.

A recorrência deste tumor é frequente, chegando aos 45%, por isso o dono deverá estar sempre atento. As metástases são raras e aparecem em 0 a 25% dos casos.

 

Prevenção do sarcoma de aplicação felino

Para prevenção do sarcoma de aplicação felino, poderá reduzir-se a aplicação de vacinas polivalentes e a utilização de adjuvantes em vacinas (especialmente o alumínio), usando vacinas vivas modificadas, sem adjuvantes e aumentando o intervalo entre vacinações. Os adjuvantes são componentes das vacinas que estimulam o sistema imune a reagir ao agente da vacina (essencial ao desenvolvimento de imunidade), e por estimular a inflamação podem estar ligados ao aparecimento do sarcoma de aplicação em gatos.

A vacinação poderá passar a ser administrada nas extremidades dos membros. No entanto vacinações em membros em locais proximais podem complicar a excisão do tumor nos tecidos laterais do tórax.

A vacinação deverá ser adaptada ao estilo de vida do gato. Gatos de interior poderão precisar de um menor grau de vacinação e com menor frequência. Gatos de exterior e não castrados serão os mais suscetíveis a doenças e por isso com um plano de vacinação extenso.

O local de injeção, tipo de vacina, marca e número de serie devem ser registados no boletim do paciente de forma a permitir a identificação das vacinas causadoras de sarcoma.

 

Conclusão

Devo deixar de vacinar o meu gato para que não sofra do sarcoma de aplicação felino? A resposta é não. Como já vimos, a incidência do tumor é muito baixa (0.63 a 13 gatos vacinados em 10 000) enquanto que a incidência das doenças infeciosas que as vacinas previnem é bem maior e mais mortífera.

No entanto, todos os donos deverão estar atentos ao aparecimento do sarcoma de vacinação e poderão ajustar o plano de vacinação às necessidades do animal. É normal o aparecimento de uma pequena massa de inflamação após a vacinação que desaparece em 1 a 2 semanas. Se a massa se mantiver mantenha a calma e contacte o seu médico veterinário com a maior brevidade.

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