O que é a peritonite infecciosa felina?
A peritonite infecciosa felina (PIF) é uma patologia que afeta gatos mundialmente. Esta doença é considerada uma doença viral inflamatória sistémica e progressiva com elevada mortalidade e um largo espectro de sinais clínicos.
Os principais sinais da peritonite infecciosa felina são a febre que não responde a tratamento, nódulos inflamatórios com pús, acumulação de líquido em cavidades corporais e elevada mortalidade.
A PIF tem maior prevalência em gatos jovens, dos 3 meses a 3 anos, em ambientes com muitos gatos. É uma doença difícil de diagnosticar e não há tratamento definitivo. A prevenção torna-se assim uma peça chave do combate a esta doença.
A transmissão do vírus é frequente entre gatos pela via orofecal. Ou seja, o contacto com fezes de gatos portadores através da sua ingestão. A transmissão também poderá ocorrer da mãe gata para o filhote. O contágio é mais frequente em áreas com elevadas densidades populacionais de gatos.
Qual é o agente etiológico da peritonite infecciosa felina?
A PIF tem origem no agente etiológico da peritonite infecciosa felina é um vírus chamado coronavírus felino (FCoV). O vírus existe em dois serotipos, sendo o serotipo tipo I mais comum.
Entre os vírus FCoV existem o vírus da peritonite infecciosa felina (FIPV) e o coronavírus entérico felino (FECV). O FECV é mais comum e causa problemas intestinais suaves em gatinhos, podendo o vírus persistir na mucosa do intestino.
Já o FIPV é mais esporádico e altamente virulento, replicando dentro das células imunes (macrófagos) e causando a doença letal conhecida como PIF. Este vírus induz uma doença resultante da resposta imune com intensa inflamação e lesão dos vasos sanguíneos e granulomas disseminados.
Os coronavírus felinos não são zoonoses, ou seja, não existe peritonite infecciosa felina em humanos.
Quais são os tipos de peritonite infecciosa felina?
A peritonite infecciosa felina húmida (PIF efusiva) afeta 75% dos casos e é causada por uma inflamação dos vasos sanguíneos (vasculite) causada pela deposição de complexos imunes e líquido em cavidades corporais.
Já a peritonite infecciosa felina seca (PIF seca) resulta da uma resposta imune conduzida por células, com granulomas em vários órgãos.
Sinais clínicos e sintomas da peritonite infecciosa felina
Os sinais clínicos da PIF dependem da cepa do vírus, resposta imune e órgão afetado pelas lesões nos vasos sanguíneos ou granulomas. Geralmente, os sinais aparecem lentamente. Sinais comuns da PIF, incluindo sinais não específicos, incluem:
- Febre persistente, flutuante e não responsiva a antibiótico;
- Letargia ou depressão;
- Perda de apetite gradual (anorexia);
- Perda de peso gradual;
- Má condição corporal;
- Atraso no crescimento;
- Má condição do pelo;
- Coloração amarela das mucosas e pele (icterícia);
- Acumulação de líquido no abdómen ou tórax (por vezes com dilatação);
- Massas abdominais à palpação;
- Aumento dos gânglios linfáticos;
- Inflamação dos olhos (uveíte, precipitados, mudança de cor da iris, pupila de forma irregular);
- Sinais nervosos se houver envolvimento destas estruturas.
Na forma efusiva, ou húmida, a peritonite infecciosa felina apresenta ascite (líquido no abdómen), bem como poderá haver acumulação de líquido no tórax ou pericárdio (saco que envolve o coração). O acumular do líquido no tórax origina dificuldades respiratórias (dispneia).
Na forma seca, poderá haver o aparecimento de massas chamadas granulomas. O granuloma é uma resposta inflamatória com uma coleção de células inflamatória responsáveis por eliminar objetos estranhos do organismo, os macrófagos. Estas massas poderão ser difíceis de detetar e poderão afetar variados órgãos. No entanto, duas formas da PIF, efusiva ou seca, podem ter sinais que se sobrepõem.
Fatores de risco da peritonite infecciosa felina
Os fatores de risco da PIF em gatos incluem o contacto com gatos portadores do vírus, casas com vários gatos, idade inferior a 3 anos e a infeção com o vírus da leucemia felina.
Diagnóstico da peritonite infecciosa felina
O diagnóstico da PIF em gatos não é simples. Muitos gatos são portadores do vírus sem nunca desenvolverem doença. Por outro lado, os gatos que desenvolvem doença podem apresentar sinais inespecíficos. Logo, geralmente é necessária a combinação da história, sinais clínicos e técnicas de diagnóstico. No entanto, um diagnóstico definitivo de FIP em vida continua a ser difícil. Na forma seca, ou não efusiva, os sinais são escassos no início da doença.
Ultrassom
O ultrassom (ou ecografia) de gatos com PIF poderá ajudar ao diagnóstico da forma seca, com a presença de granulomas, ou como uma forma de confirmar as efusões da cavidade torácica, abdominal ou pericárdica. No entanto, estas efusões poderão também ser diagnosticadas durante o exame físico ou por radiografia. Já alguns granulomas poderão ser palpáveis.
Biopsia
Poderão ser realizadas biopsias de tecido para detecção do vírus. O vírus vive no interior dos macrófagos e apenas pode ser detetado quando provoca doença. Logo, é possível utilizar técnicas para corar o vírus no interior das células usando anticorpos que ligam ao vírus (imuno-histoquímica). No entanto, esta técnica depende da obtenção de uma boa amostra de tecido, o que pode ser difícil em vida.
Hemograma, bioquímica e outra técnicas
A razão albumina-globulina (A:G) baixa poderá ser utilizada como auxiliar no diagnóstico do peritonite infecciosa felina. No entanto, apenas auxilia o diagnóstico em conjunto com história, sinais clínicos e outras anormalidades encontradas. Logo, a razão A:G é mais utilizada para descartar a presença de PIF e não a fazer o seu diagnóstico definitivo.
A glicoproteína ácida α1 (AGP) o soro do sangue aumenta em simultâneo com patologias inflamatórias. Em conjunto com a história e os sinais clínicos, o aumento moderado da AGP pode ser uma ferramenta que ajuda ao diagnóstico da PIF em gatos. No entanto, esta glicoproteína também aumenta em outras patologias inflamatórias e cancros. Logo, é fundamental fazer a distinção entre estas e a PIF.
Técnicas de genética molecular, nomeadamente a reação de transcripção reversa da cadeia polimerase (RT-PCR), poderá permitir a confirmação da presença do vírus. No entanto, não distingue entre gatos portadores assintomáticos e doentes. A presença de vírus no soro do sangue também pode ser baixa. Logo, a técnica é útil para detetar animais com o vírus, mas não permite excluir a doença nos casos negativos.
A deteção de anticorpos contra PIF no sangue (teste ELISA) poderá ser também um auxiliar ao diagnóstico.
Necropsia
Para casas com vários gatos, a necropsia de um animal perdido poderá ajudar ao diagnóstico definitivo da PIF. Tal como na biopsia, poderão ser recolhidos tecidos para a imunohistoquimica, considerada o gold standard do diagnóstico da PIF.
Tratamento da peritonite infecciosa felina
A peritonite infecciosa felina não tem um tratamento rotineiro eficaz. O gato pode ser mantido no hospital veterinário ou ser tratado em casa, dependendo da severidade da doença e disponibilidade do dono.
O principal tratamento da PIF é através de medicamentos que ajudam reduzir a resposta inflamatória excessiva e combater o vírus. Deve-se ainda evitar o contacto com outros gatos para evitar o contágio. Logo, o tratamento passa por:
- Dieta: é importante encorajar o gato a comer. Por isso, qualquer alimento que o gato ingira é recomendado (exceto alimentos tóxicos).
- Cirurgia: geralmente não é necessária, pode ser necessária em casos de bloqueio ou obstrução intestinal.
- Paracentese (remoção de líquido): a remoção de líquido da cavidade abdominal e torácica pode ajudar a aliviar a pressão e melhorar a condição clínica.
- Anti-inflamatórios: reduzem a resposta inflamatória, reduzindo os granulomas e inflamação.
- Imunossupressivos (prednisolona, ciclofosfamida): inibem a resposta inflamatória; sucesso limitado.
- Antivirais (cliclosporina A, cloroquina): inibem a replicação do vírus; eficácia por provar.
- Imunoestimulante (interferão-omega felino): estimulam a resposta imune no combate ao vírus, mas podem aumentar as lesões por inflamação.
- Antibióticos: recomendados apenas quando existe infeção secundária, uma vez que não atuam sobre os vírus.
A acumulação de líquidos nas cavidades deve ser monitorizada. Infelizmente a PIF não tem cura, sendo este tratamento paliativo. A eutanásia poderá ser considerada quando há perda de qualidade de vida pelo animal.
Outros métodos que podem ajudar a sobrevivência e qualidade de vida do gato são a redução de fatores de stress, drenagem frequente das efusões, administração de fluídos, tratamento nutricional, inibição da agregação plaquetária, controlo de infeções secundárias, tratamento oftalmológico e possíveis transfusões de sangue.
Prognóstico da peritonite infecciosa felina
A maioria dos gatos portador de PIF não desenvolve doença ou tem uma infeção subclínica e não é afetado. Apenas 10% dos gatos infetados desenvolvem doença.
As complicações envolvem a acumulação de líquido no tórax com dificuldades respiratórias, bloqueio ou obstrução intestinal, envolvimento do sistema nervoso central e morte.
O prognóstico da peritonite infecciosa felina é grave. Gatos com sinais típicos e generalizados da doença tendem a morrer dentro de dias a meses.
Prevenção da peritonite infecciosa felina
A prevenção da PIF em gatos passa por:
- Vacinar: existe uma vacina contra PIF (não faz parte das vacinas base) que poderá ser considerada, no entanto a sua eficácia parece ser limitada.
- Isolar filhotes de mães positivas: se a gata é portadora de PIF, os filhotes devem ser separados às 4 semanas e isolados para evitar transmissão.
- Desinfeção: desinfeção regular de pratos, jaulas e áreas dos gatos reduz a transmissão; se perdeu um gato com PIF deve esperar 2 meses até adoptar um novo gato para evitar contágio.
- Ambiente: restringir o gato ao interior evita o contacto com gatos positivos e a transmissão do PIF.