A quantidade de proteína nas rações comerciais para cães tem aumentando nos últimos anos. Mas será que este aumento realmente se traduz em melhorias na saúde dos nossos cães?
As recomendações são para a ração conter, no mínimo, 18 a 21% de proteína por matéria seca. Ou seja, por 100 g de ração seca (10% de humidade), 19.8 a 23.1 g de proteína.
Na verdade, a questão torna-se um pouco mais complexa. Existem necessidades totais de proteína e também de aminoácidos essenciais, que não são produzidos pelo organismo.
Para as proteínas, também parece que nem sempre mais proteína na dieta se traduz em melhor saúde para o cão. Pode existir um valor a partir do qual o excesso de proteína na dieta em um impacto negativo na saúde.
Qual é a função das proteínas?
Os aminoácidos são unidades que em conjunto formam as proteínas. A proteína na dieta deverá suprir as necessidades totais de proteína, como um macronutriente, mas também deverá suprimir necessidades de aminoácidos.
No cão, existem 10 aminoácidos essenciais que devem estar presentes na dieta porque o organismo é incapaz de os produzir (por transaminação). Estes aminoácidos serão utilizados para produzir proteínas com várias funções.
As principais funções da proteína são:
- Estruturais (ex. músculo, pelo);
- Transportadores (ex. hemoglobina que transporta oxigénio);
- Funções imunitárias (ex. anticorpos do sistema imunitário);
- Hormonas (ex. insulina que regula a glicemia);
- Enzimas (ex. enzimas digestivas);
- Fonte de energia.
Estas proteínas têm um tempo de vida limitado, devendo ser substituídas. Apesar de algumas proteínas serem recicladas, existem sempre perdas de proteínas e não existem reservas.
Por exemplo, perde-se proteínas durante a reciclagem, por perda de enzimas digestivas, por descamação de células do intestino e da pele, e por perda de pelo e unhas. Uma ingestão deficiente de proteína irá levar à mobilização de proteína do músculo e deterioração do estado de saúde.
Logo, é necessário que a dieta forneça um nível adequado de proteína para repor as perdas diárias.
Quantidade mínima diária de proteína para cães
A quantidade mínima de proteína é aquela que permite a função normal e previne sinais de deficiência. A quantidade mínima de proteína recomendada pela FEDIAF é apresentada na seguinte tabela.
É necessário ter em consideração que os valores são apresentados por matéria seca de ração, enquanto a maioria das rações secas apresentam 10% de humidade.
Adulto | Crescimento precoce e Reprodução | Crescimento tardio (>14 semanas) | |
Proteína (%) | 18.0 – 21.0* | 25.0 | 20.0 |
As necessidades de proteína do cão adulto para manutenção compensam a perda de proteína diárias. As necessidades na gestação, lactação e crescimento são superiores devido ao crescimento dos embriões ou fetos, produção de leite, e deposição de novos tecidos durante o crescimento, respetivamente.
Vantagens de uma dieta rica em proteína nos cães
O excesso de proteína da dieta garante que não existem deficiências no organismo do animal.
Nem todas as fontes de proteína são iguais. Algumas fontes de proteína têm maior digestibilidade, isto é, são mais absorvidas pelo organismo e menos perdidas nas fezes. É também importante considerar o valor biológico da proteína, que indica se a proteína é utilizada no organismo.
Logo, proteínas de menor digestibilidade ou menor valor biológico deverão ser adicionadas em maior quantidade à dieta para compensar as perdas que ocorrem depois da ingestão.
Ainda existem perdas de proteínas como consequência do processo de produção da ração. Quando as proteínas são aquecidas na presença de açúcares, ocorre o efeito de Maillard, onde estes compostos se ligam e ficam indisponíveis à utilização pelo organismo.
Finalmente, ainda é necessário considerar se a proteína fornece todos os aminoácidos essenciais nas quantidades mínimas recomendadas pelas FEDIAF. Ao adicionar-se proteína em excesso, reduz-se o risco de existirem deficiências de aminoácidos.
Os 10 aminoácidos essenciais para o cão, que não são produzidos pelo organismo e por isso têm que estar presentes na dieta, são:
- Arginina;
- Histidina;
- Isoleucina;
- Leucina;
- Lisina;
- Metionina;
- Fenilalanina;
- Treonina;
- Triptofano;
- Valina.
Por um lado, a presença de proteínas na dieta torna a dieta mais apelativa para o cão (aumenta a palatabilidade). Por outro lado, a ingestão de proteínas contribuir para uma maior sensação de saciedade.
Assim, dietas ricas em proteína e pobres em carboidratos parecem contribuir para a perda de peso em animais de companhia. Esta é uma estratégia importante no combate à obesidade, tão comum nos animais modernos.
Quantidade máxima diária de proteína na dieta dos cães
As concentrações de proteína nas rações para cães terem aumentado devido à crença dos cuidadores de que os cães deviam ingerir mais proteína. Mas será que um excesso de proteína pode ser prejudicial?
Atualmente não existe um limite máximo para a proteína na dieta para cães em termos legais nem em recomendações da FEDIAF.
Os cães precisam de mais proteína?
A dieta dos lobos é essencialmente à base de carne, logo rica em proteína, por isso podia pensar que os cães também precisavam de uma dieta à base de proteína.
Na verdade, os lobos e os cães são muito diferentes. Os cães evoluíram ao lado do ser humano e adquiriram várias adaptações ao seu novo estilo de vida.
Por isso, ao contrário dos lobos, os cães têm a capacidade de digerir carboidratos e têm necessidades menores de proteína.
Na verdade, os cães não são considerados carnívoros obrigatórios, e por vezes até são considerados omnívoros.
Rações com muita proteína são também mais caras para o cuidador e menos sustentáveis a nível ambiental. A produção de proteína, especialmente de proteína animal, tem os maiores impactos ambientais.
O excesso de proteína está relacionado com a doença renal em cães?
Depois de ser utilizada para as funções estruturais e metabólicas, a restante proteína será convertida em energia. Nesta conversão irão produzir-se ureia e amonia que são excretados pelo rim.
Estudos em ratos de laboratório sugeriam que excesso de proteína na dieta poderia estar na origem contribuir para o desenvolvimento e progressão da insuficiência renal crónica. No entanto, quando os estudos foram repetidos em cães não se verificou a contribuição para a doença renal.
No entanto, a degradação da proteína (catabolismo) produz ureia e amonia que originam os sinais urémicos na insuficiência renal. Logo, a redução da proteína poderá aliviar os sinais clínicos em cães com insuficiência renal, ao reduzir os seus produtos de degradação.
No entanto, uma restrição de proteína em cães idosos não evita que venham a sofrer de insuficiência renal. Aliás, uma dieta com concentrações adequadas de proteína é essencial à manutenção da saúde dos cães idosos.
Uma maior concentração de ureia e amónia na urina de cães alimentados com dietas ricas em proteína também poderá causar mais estragos quando os animais urinam nas plantas e relva do jardim.
Alergia a proteínas na dieta
As alergias alimentares no cão são reação imunitárias a proteína presente em ingredientes na sua dieta. Ingredientes ricos em proteína são geralmente a causa, como carne de vaca, frango, soja, leite ou ovo.
Cães com alergias alimentares deverão fazer uma dietas hipoalergénicas restrita nos ingredientes que são utilizados, especialmente nas fontes de proteína. Nestas dietas, geralmente usam-se fontes de proteína alternativas a que o cão nunca teve exposto, como carne de crocodilo.
Proteína em excesso pode causar efeitos a longo prazo na saúde dos cães
As rações comerciais variam na quantidade de proteína, desde o mínimo de 18% a 60% da matéria seca. Num cão de 6 kg que ingere 80 g de ração seca diariamente, corresponde a uma variação entre ingerir 15.8 ou 52.8 g de proteína diária.
Mas será que o excesso de proteína pode ter consequências na saúde do animal, mesmo que não sofra de insuficiência renal?
Um estudo testou o efeito de dietas com vários níveis de proteína nos microrganismos intestinais e marcadores de metabolismo de cães.
A dieta com mais proteína (45.8% de matéria seca) teve um efeito negativo porque nem toda a proteína seria digerida e muita foi degradada pelos microrganismos intestinais. Estes microrganismos proteolíticos produziram compostos responsáveis por lesões renais e inflamação.
Apesar do estudo não provar que a ração rica em proteína produziu efeitos diretos na saúde dos animais, identificou mecanismos pelo qual poderia vir a ser prejudicial.
Fontes de proteína na ração para cães
As fontes de proteína nas rações para cães podem ser de origem animal ou vegetal. A maioria dos ingredientes não contêm todos os aminoácidos essenciais. Logo, terão que se fazer combinações de ingredientes para obter um equilíbrio nutricional.
As fontes de proteína vegetal geralmente são de menor qualidade, apresentando menor digestibilidade e valor biológico. No entanto, é possível o cão alimentar-se apenas a partir destas fontes, como nas dietas vegetarianas e vegan.
As fontes de proteínas animais geralmente têm maior qualidade, com maior digestibilidade de valor biológico. No entanto, esta qualidade é muito variável dependendo dos processos de produção a que foi sujeita e de que peças foi produzida.
Por exemplo, farinha de carne pode ser produzida a partir de vísceras e músculos, nutricionalmente ricos, ou a partir de cascos e ossos com carne, sendo nutricionalmente mais pobre.
Logo, a leitura do rótulo não nos permite fazer uma avaliação adequada da qualidade da proteína utilizada na ração.
Quantidade de proteína na dieta de carne crua (BARF)
As recomendações de ingredientes ricos em proteína na dieta de carne crua (BARF) são de 25% de carnes desossadas, peixe, ovos, e 10% de vísceras. Logo, esta dieta baseada em carne deverá fornecer quantidades suficientes de proteína.
No entanto, as dietas de carne crua poderão ser deficientes em aminoácidos essenciais (ex. taurina ou os seus percursores, metionina e cisteína) e noutros nutrientes (ex. cálcio, potássio, fósforo, zinco). Se faz uma dieta de carne crua, deverá consultar o seu médico veterinário para garantir que fornece uma quantidade adequada de aminoácidos essenciais aos seu cão.
Em sumário…
A Dra. Linda Case conclui “Os cães devem ser alimentados com alimentos de alta qualidade (especialmente proteína) em que os níveis de proteína são moderados (superiores ao mínimo), mas não excessivamente elevados)”.
Ou seja, para cães adultos, em manutenção, recomenda-se a utilização de 18 a 21% de proteína por matéria seca de ração.
Geralmente as rações apresentam níveis ligeiramente superiores para compensar perdas durante a produção ou uma menor absorção pelo organismo. Assim, garantem que a quantidade mínima de proteína e de aminoácidos essenciais está presente na dieta.
Em doses excessivas (>50% de matéria seca), a proteína pode tornar-se prejudicial devido à alteração dos microrganismos intestinais com a produção de compostos que podem causar efeitos adversos na saúde do cão.
Recomenda-se, então, a utilização de doses moderadas de proteína na dieta dos cães
Referências: Laflamme 2008