A castração pediátrica é a castração de animais em idades jovens. A realização deste procedimento em idades jovens tem levantado questões éticas. Quais serão as evidencias a favor e contra a castração pediátrica?
O que é a castração pediátrica?
A castração pediátrica é uma gonadectomia (remoção das gónadas sexuais), ou seja, a remoção dos ovários ou testículos, antes da puberdade, antes das 16 semanas. Nas fêmeas geralmente faz-se remoção dos óvários ovários (ovariectomia) ou ovários e útero (ovariohisterectomia) e nos machos dos testículos (orquiectomia).
Muitos estudos abordam as vantagens e desvantagens da castração. Mas poucos avaliam a idade de castração na saúde animal. Um estudo demonstra que não há alteração na saúde ou comportamento em animais castrados antes dos 6 meses de vida, comparando com castrações mais tardias.
A castração pediátrica deve apenas ser realizada em animais saudáveis e em bom estado de desenvolvimento. Em gatos é recomendado realizar-se aos 4 meses. Nos cães, realiza-se antes da entrada na puberdade para evitar o risco de problemas ortopédicos e urinários, que pode ocorrer entre os 4 a 18 meses dependendo do porte do animal.
Vantagens da Castração Pediátrica
A principal vantagem da castração pediátrica é a sua eficiência no controlo da reprodução de animais (controlo populacional), reduzindo o número de animais abandonados, nas ruas e em associações de acolhimento. As associações muitas vezes optam por fazer castração pediátrica antes da adoção para prevenir ninhadas indesejadas, uma vez que apenas 50 a 60% são castrados posteriormente pelos cuidadores. Os filhotes castrados são mais adotados e menos abandonados.
Os animais castrados expressam menos comportamentos indesejados. A castração ajuda a controlar comportamentos sexuais como a marcação com urina, monta, cio, fuga, e agressão. Castração de felinos antes dos 5.5 meses de idade levou a redução de asma, abcessos, agressão e marcação com urina. Em cães, a castração antes dos 5.5 meses levou a redução de episódios de ansiedade de separação e marcação com urina. As cadelas deixam de apresentar sangramento durante o cio e poder apresentar gravidez psicológica.
Os animais castrados geralmente têm vidas mais longas. A redução dos comportamentos sexuais reduz o risco de atropelamento e de transmissão de doenças infecciosas (ex. FIV nos gatos). A castração reduz a incidência de cancros mamários, especialmente quando precoce. Gatas castradas têm 7 vezes menos risco de cancros de mama, geralmente malignos, comparadas com gatas inteiras. A castração de cadelas antes do primeiro cio reduz o risco de tumores mamário a 0.5%, que passa a 8% entre o primeiro e segundo cio e 26% após o segundo cio. A castração ainda previne cancros do ovário e útero, prolapso vaginal durante o estro, e complicações relacionadas com o parto (distócia).
A prevenção da piometra (infeção do útero) também passa pela castração, uma vez que é mediada pelas hormonas sexuais e poderá afetar até 25% das cadelas com mais de 10 anos. A piometra trata-se através da remoção do útero mas fazê-lo durante a infeção aumentar o risco da cirurgia, sendo benéfico previni-la através da castração. A hipertrofia prostática benigna, com hiperplasia e hipertrofia da próstata, ocorre em 50% dos cães com 2 a 3 anos de idade. A castração remove o estímulo hormonal levando à perda de tamanho, resolução dos sintomas, diminuição do risco de infeção. A remoção dos testículos também previne tumores testiculares que afetam quase 1% dos cães sénior.
Desvantagens da castração pediátrica
A castração pediátrica tem a vantagem de ser mais segura, uma vez que se evita cirurgias durante o cio (com maior risco de hemorragia) e apresenta complicações mais suaves e de menor incidência. No entanto, a castração de animais antes da puberdade pode relacionar-se com o aumento da incidência de certas patologias, apesar de muitas vezes as causas ainda estarem pouco estudadas. Os principais riscos ocorrem a curto-prazo como complicações cirúrgicas ou anestésicas.
Existem vários estudos que tentaram demonstrar efeitos negativos da castração pediátrica no comportamento e treino, mas normalmente apresentando grandes limitações nos métodos usados. Por exemplo, um estudo tentou relacionar a agressão ou ladrar em cães com a castração precoce, mas realizou o estudo em cães de canil não controlando para problemas de comportamento existentes, a raça, e o treino de cada individuo. Outro estudo tentou estudar a perda precoce de capacidades cognitivas em cães castrados, o que não foi suportado por análise dos tecidos cerebrais. Em gatos, nenhum efeito negativo foi reportado. Pode concluir-se que até ao momento não existem provas do efeito negativo da castração pediátrica no comportamento nem na capacidade de treino dos animais.
A castração reduz a taxa metabólica devido à ausência de hormonas sexuais e por isso aumenta o risco de obesidade, na ausência de controlo de adequada ingestão calórica. Uma vez que a obesidade é multifatorial, não se relaciona facilmente com a idade da castração e pode prevenir-se com um adequado controlo da alimentação do animal. No entanto, os gatos castrados poderão estar mais sujeitos a desenvolver diabetes mellitus. O facto de alguns cancros serem mais comuns em cães castrados (ex. linfossarcomas, osteossarcomas, hemangiossarcomas) provavelmente deve-se ao aumento da longevidade, sendo as neoplasias são mais comuns em animais mais velhos.
A castração precoce pode alterar o crescimento ósseo devido ao atraso no fecho das placas de crescimento dos ossos longos na ausência de hormonas gonadais. A conformação óssea é alterada, aumentando a incidência (mas reduzindo a severidade) de problemas ortopédicos como displasia da anca, displasia do cotovelo, e rutura do ligamento cruzado cranial do joelho. Na castração pediátrica das fêmeas pode predispor a cistite (inflamação da bexiga), incontinência urinária, e manutenção de vulvas juvenis que em conjunto com a obesidade e perdas urinárias podem resultar em dermatite perivulvar e vaginite crónica.
Anestesia e cirurgia da castração pediátrica
A castração pediátrica tem vantagens anestésicas e cirúrgicas, nomeadamente tempos reduzidos de cirurgia, ausência de gordura abdominal que facilita a cirurgia e requer incisões mais pequenas, menor risco de complicações pós-cirúrgicas, e melhor tolerância à cirurgia e anestesia. A anestesia consiste em protocolos adequados e seguros para cães e gatos pediátricos, que é bem tolerada e de rápida recuperação. O procedimento da castração é semelhante à realizada em animais adultos, com a excepção de que a escala é menor.
Os filhotes devem ser examinados previamente para garantir um bom estado de saúde e bom desenvolvimento físico. O tamanho deve ser suficiente para garantir o acesso intervenoso com a colocação de um cateter. Apesar da vacinação não ser necessária na castração pediatria, uma vez que o animal adquire anticorpos maternos do colostro, é recomendada tendo em conta a idade em que é realizada e a importância de manter um bom estado de saúde. A desparasitação interna e externa é também recomendada para evitar alterações do estado de saúde, como anemia causada por parasitismo.
Durante a cirurgia, os principais cuidados consistem na prevenção da hipotermia, hipoglicemia, e stress pré-anestésico. A hipotermia é evitada aquecendo-se a mesa cirurgia, usando-se luzes de aquecimento no recobro, e administrando fluídos aquecidos. As hipoglicemia é combatida com a administração de glicose no soro e rápida introdução de alimentos após a cirurgia. O controlo do stress é feito mantendo os animais com a ninhada e progenitora.
A castração faz-se em incisões pré-escrotais (cães) ou escrotais (cães, gatos), que deverão ser suturadas para evitar trauma causado pelo próprio ou pelos companheiros de ninhada. Realiza-se após a descida dos testículos ao escroto (12 a 14 semanas no cão, no gato estão à nascença) e pelo fechar do canal inguinal (por onde descem os testículos) aos 7 meses. Em casos de criptorquismo (ausência da descida de um testículo), realiza-se a cirurgia após a puberdade uma vez que é mais fácil encontrar testículos desenvolvidos na cavidade abdominal. Nas fêmeas, faz-se uma incisão mediana caudal ao umbigo.
Conclusão
A castração pediátrica é eficaz e segura no controlo controlo populacional de cães e gatos, reduzindo o número de animais abandonados. Apresenta vantagens para o animal como menor tempo cirúrgico, rápida recuperação pós-cirúrgica, e redução do risco de várias patologias. Como qualquer procedimento médico, apresenta riscos como o aumento da incidência de problemas ortopédicos e urinários. No entanto, as vantagens excedem os riscos, especialmente no controlo de populações e preservação do bem-estar animal.
A castração pediátrica de cães e gatos não é um procedimento a temer ou mistificar. É um procedimento que é realizado há mais de 30 anos e com protocolos definidos. Logo, é apoiado por organizações profissionais de médicos veterinários, incluindo a Associação de Médicos Veterinários Americanos, a Associação de Médicos Veterinários Canadianos, a Associação Americana de Hospitais de Animais, a Sociedade Americana de Prevenção da Crueldade Animal, e a Associação Americana de Clínica de Felinos.
Referências: Margaret et al. 2014, Griffin et al. 2016, Yates and Leedham 2019
Estou com 4 gatos filhotes programados p/ castração com 19 semanas (5,5 meses de nascidos. Apesar do cirurgião ser competente e me passar confiança, sempre temo que lhes possa intercorrer algum problema urogental. Posso ficar tranquila que vai dar tudo certo? Pois hã entre os veterinãrios que conheço opiniões diverfentes.
Olá Teresinha,
Se o seu médico veterinário conhece a técnica, não vejo porque não o possa fazer. Como falamos neste artigo baseado na literatura cientifica atual, a castração pediátrica pode ser realizada com segurança, tendo algumas desvantagens (o que todas as práticas clínicas o têm).
Abraços,
Joana Prata
Joana, você pode disponibilizar os trabalhos que dão estas informações sobre cães castrados diminuírem a ansiedade de separação?
Olá Marina,
Esse trabalho é referido na referência que citamos. Pode encontrar o trabalho original com o título: Long-term risks and benefits of early-age gonadectomy in dogs.
Abraços,
Joana Prata